Uma enorme pedra de aparência muito áspera, com crateras a serem exploradas, adverte quem a deseja escalar, que é difícil atingir o seu cume, mesmo sequer vê-lo. Sua face iluminada expõe pontos de muito esforço a serem percorridos na subida. No lado sombra, como na face desconhecida, não visível da lua, passos incertos poderão tatear na escuridão. Na busca do topo uma jornada íngreme e tortuosa. No fim da procura quase impossível, um castelo de pedras, as mesmas pedras monocromáticas, duras e penosas do caminho.
Inacreditavelmente, a grande massa paira sobre o oceano. Ondas de espuma formam um tapete branco capaz de amortizar uma possível queda. No horizonte as águas encontram o céu azul quebrado por porções de algodão, as nuvens carneirinhos tão sugestivas da infância. Uma densidade incomensurável é visível naquele corpo. No entanto, como um mistério a ser desvendado, um enigma, ele plana como um balão. A grande pedra abaulada repousa sobre o ar. Há que se distanciar, olhar de fora e se surpreender com a possibilidade de elevar coisas tão pesadas.
Mahler, Mozart, Shubert, Brahms, Bach e muitos outros.
Ele está pronto para começar seu trabalho. Com a paleta de tintas em uma das mãos e o pincel na outra, parece disposto para colocar os primeiros traços de tinta na tela, ou talvez, para continuar algo que já tenha tomado corpo após dias e dias de esforço. No entanto, o seu olhar perdido no vazio à frente, denuncia que ainda falta alguma coisa. É possível que os modelos ainda não tenham chegado para que comece a pintar. Mas na sala já há pessoas, modelos em potencial para uma obra de tal porte. Sim, a tela é enorme. Nela é possível caber a representação de quase todo um reino.
Alheia ao pintor, a menina com ares de princesa ajeita seu vestido de seda com volumoso saiote. Está radiante. Irá refrescar-se em breve, degustando o saboroso suco oferecido por sua gentil ama. Outra serviçal, um pouco mais atrás, faz uma ligeira genuflexão. Ela deve se render às graças da menina, ainda que apenas por questões hierárquicas. À sua frente, uma anã, com vestido simples indicando sua condição inferior, sonha que pode tomar parte da próxima cena. Com ela uma garotinha, a menor de todas, faz carícias com um de seus pés em um cachorro, provavelmente um animal errante acolhido por ingenuidade do amor infantil. Atrás desse grupo há uma freira. Aparentemente, ela conversa com outra mulher, serviçal da família. É bem possível que esteja reclamando para a tal empregada o fato de ter que posar junto com a família para a pintura do retrato: uma freira não deve se curvar à luxúria e às aparências! Ou talvez apenas se justificasse perante seu ato, afinal, como poderia recusar tamanha honra de convite sendo a família de suma importância? Só faria elevar ainda mais a posição da Igreja na sociedade! Sabendo o que sei, fico com a segunda hipótese e volto ao pintor.
Elegantemente trajado, ele tem uma insígnia em forma de cruz no peito, certamente uma condecoração real. Não obstante seu traço ser belo e perfeitamente respeitoso a todos que retrata, seu espírito aristocrático vem de encontro ao que buscam seus mais nobres retratados: a soberba individualidade. Seus serviços prestados à corte decerto lhe permitiram chegar ao patamar supremo de figura respeitável e invejável entre os artistas. Em seu ateliê, de austera decoração, obviamente há quadros pendurados na parede. Todos seus. Entre eles, algumas cópias de grandes mestres inspiradores.
Um foco de luz se destaca na parede. É um espelho que reflete duas pessoas indistintas. Mas para o pintor não, elas são bem definidas porque ele as vê de frente, estão chegando. É evidente que já é hora de começar o trabalho. Em suas mãos possui todo o material necessário. No entanto, inexplicavelmente, ele se detém ainda por alguns instantes e olha demoradamente para cada pessoa que está ali, naquela sala, como se elas fossem personagens de uma importante história. Um pensamento estranho toma conta de sua mente. Uma nuvem cinzenta, massa perturbadora da qual nasce um desejo. O mais subversivo dos desejos. Numa total insanidade ele declara, em alto e bom som, que todos os presentes farão parte do retrato, inclusive ele e o cão vagabundo.
Não sei o que aconteceu depois disto. Suspeitando uma confusão e vendo ao fundo uma porta aberta saí correndo. Até atropelei um homem que descia as escadas. Ufa, os jardins do Prado!
As Meninas - Diego Velázquez, 1656
Museu do Prado (Madrid)
Nota: Para fazer jus ao nome deste blog devo explicar que esta ecfrase foi escrita numa Oficina de Literatura e Arte - relações entre imagem e palavra com a escritora Verônica Stigger. A ecfrase é uma representação verbal a partir de uma representação visual. Descrever este quadro com um certo devaneio foi um exercício prazeroso e muito interessante para mim. Foi uma aventura literária na qual aprendi um pouquinho mais sobre a arte da palavra. Ah, porque dediquei aos meus meus amigos do FB... Bem, durante este processo foi inspirador ouvir aqueles compositores que lotam suas páginas de perfil por lá!
Foi o que montei com as fotos que tirei na última viagem para Itanhaém. Um Stop Motion, que pode ser traduzido como “movimento parado”, é uma técnica que utiliza uma seqüência de fotografias diferentes de um mesmo objeto inanimado para simular o seu movimento. Estas fotografias são chamadas de quadros e normalmente são tiradas de um mesmo ponto, com o objeto sofrendo uma leve mudança de lugar, para dar a ideia de movimento.
Do ponto de vista científico, o Stop Motion é compreendido como uma movimentação pelo fenômeno da Persistência Retiniana. Ele provoca a ilusão no cérebro humano de que alguma coisa se move continuamente quando em um segundo passam mais de 12 quadros (fotos ou desenhos). Na verdade, o movimento desta técnica cinematográfica nada mais é que uma ilusão de ótica. Ela é usada tanto em desenhos animados quanto em filmes com atores reais.
Já fiz alguns stop motions com desenhos (toscos) e fotos, mas queria muito pegar o nascer e o pôr do sol para fazer um. Assim aconteceu no dia 24 de janeiro deste ano. Acordei bem cedinho (coisa rara atualmente), às 6 horas, olhei pela janela e vi o céu cor-de-rosa. Disse comigo mesma, é hoje! Sim, há muito tempo estou esperando para ver o sol subindo no horizonte do mar. Embora sempre fique alguns dias na praia, a maioria deles tem amanhecido nublado.
Peguei correndo meus apetrechos, câmera, tripé, relógio, óculos, óculos de sol, boné e lá fui correndo. Montei o meu tripé, posicionei a câmera e fui clicando em intervalos razoavelmente regulares. Isto porque mesmo com a praia quase deserta a gente ainda se distrai. É um bicho que voa, outro que se aproxima da água, um pescador que lança a linha ao mar. Com estes movimentos, a onda indo e vindo e o céu mudando de cor rapidamente a gente até esquece de marcar o tempo. Para o filme de animação o tempo não é importante, mas sim o movimento do objeto. No entanto em se tratando de um movimento do sol é difícil identificar exatamente o quanto ele se deslocou (na verdade a terra) rss. Então pensei em manter um intervalo fixo entre os clicks, mas não consegui.
Bem, fiquei clicando cerca de uma hora uma seqüência de fotos. Comecei às 6:25:07 e fui até às 7:25:38 para registrar a subida do sol. Foram 107 fotos. Isto foi muito pouco para um verdadeiro stop motion. Outro ponto não atingido foi o número de quadros por segundo, que foi de um, mas deveria ter sido pelo menos 15. Desta maneira meu stop motion está meio lento, sem falar no movimento do mar não sequenciado, uma vez que o grande intervalo entre as fotos impossibilitou uma sincronização.
Apesar disso foi demais ver este amanhecer e tirar estas fotos.